RESPOSTA À CARTA DE UM  GARIMPEIRO

      

         José,

         A tarde vai chegando ao fim... O céu esta carregado de nuvens de chuva. O sol ainda peleja para espiar por entre elas. Estou assim como o sol, procurando nas letras da sua carta alguma coisa que diminua a saudade da sua distância.

         Pela janela, vejo na serra os cordões da chuva vindo pra cá. Queria tanto que ela carregasse nos seus pingos notícias suas... Palavras que se dissolvessem como água sobre mim nesta tarde abafada. Sem você perto de mim, sou feito passarinho na tempestade, trinando desafinado de tristeza sem coragem pra voar.

         Chove lá fora... Recolho a rede da varanda (a sua rede), pego junto com a lembrança da sua ausência os cacos das minhas tristezas miúdas, entardecidas, umedecida saudade, agora perfumada pelo aroma das damas da noite, exalando alegria pela chuva benfazeja.

         A noite chuvosa tem essa magia de entristecer. Busco na prateleira da cozinha, junto às latas de mantimentos, a sua carta garimpeira, engordurada da saudade que minhas mãos sentem de você, untada dos beijos que deposito na sua caligrafia. Lá fora a chuva mansa penetra na terra... A seriema canta aquele eterno martelar desesperado ecoando na bigorna do meu peito.

         O gado adormece no pasto sob a chuva, as galinhas se acomodam no poleiro, nossos filhos estão junto ao fogão de lenha, Genor e o Nico estão aprendendo o beabá. Nosso Joãozinho está crescido, quase um rapaz, ele se divide no serviço aqui e na casa da avó, não quis deixá-la sozinha, desde que seu pai, foi tentar a sorte aí, se juntando ao filho garimpeiro. Você conhece bem dona Piedade, não quis deixar a casinha dela.

         Nossa caçulinha Aurora, arrancou o primeiro dente de leite ontem... Izé, eu me emocionei quando a vi por conta própria, embrulhá-lo numa folha de malva e me entregar dizendo: “Ô mamãe... Num quéio jogá meu dentin no teiado, manda o topeiro levá ele pru papai”...

         A janta está pronta... Feijão, arroz, farinha, linguiça e couve, nesta hora penso em você neste garimpo, talvez com fome, com certeza saudoso dos aromas de nossa casa, o alho, a cebola, o torresmo no feijão. Termina mais um dia de esperança, em ausência de notícias. Mais tarde, finda a lida, voltarei ao nosso quarto, o olhar grudado nas telhas do teto vai perder-se na escuridão, nessa hora vou lembrar da nossa conversa mansa de amantes...

         O barulho das canecas de alumínio esparramadas na mesa da cozinha, nosso gato Tição se esfregando nos batentes da porta, o cachorro na algazarra com as crianças me tiram desse sonhar. Preciso de ti para vislumbrar além do escuro da noite, a luz da lua e o brilho das estrelas.

         Ao compasso da chuva no telhado, termino esta carta com o coração descompassado, com vontade de sair na chuva e buscar no vento alguma notícia sua.
         José, meu amor, o garimpo te levou para longe, mas a sua alma está aqui junto comigo. Esqueça que chove lá fora... Vire passarinho... Volte voando para mim!

         Eternamente sua,

         Maricota
 

Maria Mineira